Seminário sobre educação popular na resistência pós-golpe apoiado pela Atempa promove formação

A conjuntura pós-golpe e a educação em tempos de resistência foram temas do II Seminário de Educação Popular, realizado neste sábado, 23 de junho, no auditório da Uergs, com o Apoio da Atempa. Organizado pelo coletivo de escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Educação da Lomba do Pinheiro – Saint Hilaire, São Pedro, Heitor Villa Lobos e Afonso Guerreiro Lima – o encontro reuniu educadores/as e demonstrou sua capacidade de autonomia e unidade. O evento também serviu para que as escolas tenham realizado formação de seus  professores/as, algo que tem sido negligenciado pela gestão Marchezan.
Representando as escolas promotoras, a professora da Emef Afonso Guerreiro Lima, Tavana Santos, chamou a atenção para os ataques que a educação vem sofrendo em Porto Alegre, sobretudo a falta de condições para a formação continuada dos/as professores/as da rede. Segundo ela, dessa forma, a escola acaba apenas repetindo currículos. Ela também ressaltou a necessidade de a categoria somar forças frente a essa realidade de desmonte da educação pública na capital.
A Coordenadora Geral da Atempa, Sinthia Mayer, disse que “nós, educadores/as, procuramos colocar em prática os ensinamentos de Paulo Freire, mesmo em situações tão adversas. E estamos em luta para defender tudo o que construímos na rede pública municipal de Porto Alegre, denunciando os ataques de Marchezan à educação e aos nossos direitos, em defesa de um novo projeto para Porto Alegre”. Sinthia denunciou a falta de apoio da gestão a projetos relevantes implantados na rede que hoje são desenvolvidos graças a dedicação dos professores/as, como os de robótica, horta comunitária e as várias iniciativas de formação artística e cultural existentes nas escolas.
Já a Diretora Geral do Simpa, Luciane Pereira, discorreu sobre o ambiente autoritário e antidemocrático vivido no Brasil, mas dirigiu sua denúncia aos ataques de Marchezan à categoria municipária, ao serviço público em geral e à educação.
O repúdio ao decreto assinado pelo prefeito, no último dia 20, que visa cercear o direito constitucional de greve dos trabalhadores também esteve em pauta. “Temos de resistir a esse processo, ter sonhos, esperança e ação crítica para enfrentar e superar este momento, em defesa de nossa educação e dos serviços públicos da cidade que estão sendo destruídos pelo atual gestor”, concluiu Luciane.
Formação e resistência
A professora Vânia Melo, representando a Uergs, e o coordenador do Conselho Popular da Lomba do Pinheiro, Francisco Geovani Sousa, enfatizaram a importância da formação dos professores/as e da comunidade escolar para estimular uma educação popular e de resistência.
A professora do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS e do Conselho Estadual de Educação (Ceed-RS) Carmem Craidy, ressaltou a ruptura com o pacto constitucional de 1988, resultante do golpe de 2016 e o papel da educação popular no desenvolvimento da consciência da população contra a manipulação ideológica, difundida pela grande mídia. Carmen finalizou lembrando que a educação popular é uma maneira de superar a alienação e mobilizar contra a alienação. Para Carmem, o ensino da arte nas escolas, por exemplo, é uma forma de resistência à educação instrumentalizada pelo mercado, que forma pessoas com foco nas necessidades econômicas em detrimento da formação humana e crítica. “Não à toa, seu ensino tem sido suprimido da educação”, disse.
O risco da privatização do ensino
A professora da UERGs criticou também o conceito de “a escola ensina, quem educa é a família”, defendida por movimentos conservadores, pois acaba por limitar o papel das escolas na formação crítica da população e induzindo ao pensamento único que tem hegemonizado a sociedade. Carmem também criticou ações governamentais que reduzem a qualidade da educação, como, no ensino básico, o que chamou de “privatização branca”, ou seja, empresas particulares e editoras ditando como deve ser o conteúdo pedagógico. A reforma do ensino médio, a possibilidade de privatização do ensino superior, as reduções do investimento em pesquisa, além do retrocesso dos projetos de “escola sem partido”, também estiveram entre os exemplos mencionados por Carmen.
A professora do PPEduc-UFRGS Conceição Paludo, dialogou sobre a educação à luz da teoria marxista e da divisão social de classes. Ela destacou a importância de Marx na pedagogia, que passou a ter papel central na formação humana para uma nova sociedade, sem classes, em contraposição à pedagogia tradicional, empirista e idealista. “A educação que interessa aos trabalhadores/as se realiza na luta de classes”, lembrou ela.
Conceição também destacou que, antes de 1945, o capital comandava as relações sociais. No pós-guerra, foram implantadas, nos países desenvolvidos, as políticas que levaram à formação de um Estado de bem-estar social, como mediador das relações entre capital e trabalho no contexto da Guerra Fria, e como resposta ao fortalecimento do campo socialista e da organização dos trabalhadores/as. Contudo, especialmente a partir dos anos 1970, voltou a tomar força o liberalismo, chegando ao neoliberalismo dos anos 90, cujo discurso e práticas políticas e econômicas retornam com força ao cenário mundial dos dias atuais, no qual o golpe de 2016 está inserido.
Assim, o Estado se torna um “administrador dos interesses da burguesia”, tendo como “administradores/as” os/as ocupantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além da grande mídia. As guerras geopolíticas, as privatizações, as reformas e os golpes são características deste projeto de Estado.
Para enfrentar este modelo, Conceição destacou a centralidade da educação de caráter popular e de resistência, colocando a práxis como princípio fundamental para possibilitar a leitura crítica da realidade e o acesso ao conhecimento.
Visão no coletivo
Por fim, a professora e ex-conselheira do Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre Regina Scherer, lembrou da educação como a “formação de sujeitos preocupados com os outros sujeitos”. Para ela, é preciso ir além da resistência ao golpe, reagrupando, reunindo forças.
Segundo Regina, a educação tem papel fundamental nesse enfrentamento e resistência por uma gestão democrática que envolva o coletivo. A importância da alteridade, do reconhecimento das diferenças e do diálogo no processo educacional e a política de Marchezan, que limita as potencialidades da educação, também foram pontos em destaque na fala da professora.
Participação da comunidade
As pessoas que vivem na Lomba também deram depoimentos, resgatando, por meio de suas experiências, a importância da educação e do compartilhamento de diversos saberes para a comunidade. No encerramento do seminário, foi realizada apresentação do Coral Canto Kids, da EMEF São Pedro, e o lançamento da publicação “Educação popular: Crianças, jovens e adultos e o legado de Paulo Freire”, da Comissão de Escolas da Lomba do Pinheiro e da Atempa.
Na abertura dos painéis, um quarteto de cordas formado por alunos/as de música do Instituto Popular de Arte e Educação (Ipdae) fez uma apresentação, evidenciando o papel da arte na formação das crianças de Porto Alegre.
Da redação Atempa, com informações Ass. Com. Simpa