“A gente se fortalece no coletivo”. A frase, proferida por uma professora afrodescendente, talvez seja a melhor síntese para o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo AYA, Grupo de Professoras Negras da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, que promoveu, neste sábado, 08/12, seu primeiro seminário de saberes, narrativas e viveres.
Realizado no Centro de Referência do Negro Nilo Feijó, o evento teve o apoio do Simpa e da Atempa, Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), Canjerê (coletivo de professoras que promovem educação antirracista), Instituto de Assessoria das Comunidades Remanescentes de Quilombos (Iacoreq) e do SindiBancários. Em pauta, temas como “Ações afirmativas e reserva de vagas”, “O antirracismo nosso de cada dia” e “Políticas de gestão da Lei 10.639/2003 no município”.
“Uma das coisas que nos impulsionou a formar o grupo é o fato de que é muito importante haver espaços de troca – de fala e de escuta – entre nós, professores. É fundamental podermos debater o nosso cotidiano antirracista na escola, que está além da sala de aula: perpassa pelo planejamento das atividades, pelo desenvolvimento pós-atividades e pela continuidade ao longo do tempo”, explica uma das fundadoras do AYA, Kelly da Silva Moraes, professora da Emef Nossa Senhora de Fátima, na Vila Bom Jesus.
Além disso, Kelly destacou que o grupo espera também poder contribuir para quantificar o número de professores negros na rede municipal de ensino e destes, quantos ingressaram pela Lei Complementar 494/2003, que determina a reserva de 12% das vagas a negros, como forma de avaliar seus impactos. A legislação garantiu a Porto Alegre o pioneirismo, dentre as capitais brasileiras, na implantação deste tipo de regramento nos concursos públicos.
Datada de 2003, a lei é resultado da luta histórica de décadas do movimento negro. “Mas, ainda hoje enfrentamos resistência e ainda vemos os estereótipos presentes nas escolas. A própria dinâmica do racismo faz com que as pessoas não queiram falar do assunto, como se fosse um problema dos outros”.
Ao tratar da importância de políticas afirmativas como a de cotas, Kelly – uma das professoras cotistas do município – ressalta que “ao reduzir as desigualdades étnico-raciais e garantir a diversidade nas escolas, alei foi ajudando a criar um ambiente de representação. Mesmo assim, ainda somos poucos: onde trabalho, somos 54 professores e destes, somente seis são negros, dos quais, quatro cotistas. Imagina se não houvesse a política de cotas?”.
As lutas de 2006
Durante o debate sobre cotas e ações afirmativas, o seminário abriu espaço para a troca de experiência entre professores cotistas que tiveram de lutar muito para fazer valer seu direito. Em 2006, o TCE-RS entendeu que a Lei Complementar 494/2003 seria inconstitucional e, por isso, determinou a exoneração de dez professores nomeados um ano antes em razão dessa lei. Para reverter a decisão, as professoras cotistas se mobilizaram junto a instituições e órgãos públicos e entidades da sociedade civil. Com o apoio de outros docentes, diretores, comunidade escolar, parlamentares e advogados, obtiveram vitória: o TCE acabou revisando a decisão e a política – bem como os professores nomeados – foi mantida.
“Veja como são as contradições: o Rio Grande do Sul é o único estado a fazer auditoria quanto à aplicação deste tipo de lei, e neste mesmo estado, o TCE questiona sua constitucionalidade”, apontou a professora Priscila Pereira, que declarou: “estas mulheres, que garantiram o cumprimento da lei, entraram na rede para transformá-la por meio de uma atuação que mistura o cuidado, o afeto e a resistência”.
A professora Jaqueline Franco, uma das que participaram dessa luta, destacou: “foi difícil, mas também foi um encontro que permitiu que nos fortalecêssemos”. Caroline Schneider, professora que também esteve na resistência à decisão do TCE, lembrou que a cota não é nenhum privilégio: “a lei deu mais chances aos afrodescendentes, mas isso não nos desobrigou de prestar o concurso e cumprir com todos os trâmites gerais”.
Ao finalizar sua participação, Caroline lembrou experiências vivenciadas por ela e seus alunos e recordou, com orgulho, do desejo de uma aluna que a desenhou e disse que, ao crescer, quer de ser como a professora. “Gosto de pensar que nossa simples presença em sala de aula mostra aos alunos e alunas que eles podem ser o que quiserem”. Bruno Silveira, também afrodescendente, comprova o efeito relatado por Caroline: “aquela luta permitiu que, dez anos depois, eu me tornasse professor”
Fonte e fotos: Priscila Lobregatte/ Simpa.