Reestruturar a dívida do RS com a União e reavaliar as obrigações financeiras das empresas afetadas pelas enchentes são algumas maneiras de aliviar o bolso do governo e dos empresários gaúchos neste momento de crise no Estado. Por outro lado, criar um fundo para a mitigação de riscos climáticos e investir em prevenção de desastres podem impedir novas tragédias como a que o Rio Grande do Sul vive hoje.
É justamente com o objetivo de contribuir com o enfrentamento da catástrofe climática, tanto no curto quanto no longo prazo, que um grupo de professores se organizou na Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Antecipando o trabalho de reconstrução que está por vir, os docentes lançaram um manifesto para indicar medidas a governantes e tomadores de decisão da esfera pública de municípios, do estado e da União.
O material, que é apresentado pelos professores Maria de Lurdes Furno da Silva e André Moreira Cunha, diretora e vice-diretor da Faculdade, lista ao todo 14 recomendações. “A iniciativa busca contribuir com ações para soluções não paliativas, mas efetivas e de longo alcance, aos problemas expostos”, explica André Cunha, vice-diretor da FCE.
Medidas propostas:
- Suspensão do pagamento do principal e do serviço da dívida do estado para com a União, com sua imediata reestruturação;
- Criação do Fundo Constitucional da Região Sul para a Mitigação dos Riscos Climáticos (Fundosul);
- Capitalização do BRDE, do Badesul e do Banrisul;
- Elaboração de Programa Federal para Reestruturação de Dívidas Privadas Junto ao Sistema Financeiro Nacional;
- Criação da Fundação de Estudos Estratégicos do Rio Grande do Sul (FEE-RS);
- Revisão da Política de Incentivos Fiscais;
- Fortalecimento e redirecionamento das ações de instituições públicas;
- Estabelecimento de novos marcos legislativos;
- Ampliar a capacidade de estados e grandes municípios de investir em infraestrutura;
- Redesenhar instrumentos de financiamento existentes;
- Recalibrar instrumentos financeiros existentes e explorar novas oportunidades;
- Regulamentar mecanismos previstos na recente reforma tributária;
- Ampliar a discussão técnica sobre os impactos ambientais dos grandes projetos de infraestrutura;
- Induzir processos que resultem em maior conhecimento na sociedade sobre a gravidade da crise climática e envolvê-la na construção de soluções compartilhadas.
Falta de investimentos e endividamento do RS contribuíram para a catástrofe
Levando em consideração dados globais, o enfrentamento adequado dos efeitos derivados da crise climática demanda investimentos de cerca de US$ 4 trilhões até 2030. Tomando como base esse cenário, no caso do Brasil, seriam necessários recursos “entre R$ 300 e R$ 400 bilhões acima dos projetos e programas já existentes”, ressaltam os docentes.
Só no RS, os investimentos públicos necessários estariam na casa dos R$ 6 bilhões e R$ 8,5 bilhões. Já os privados girariam em torno de R$ 16 bilhões a R$ 21,5 bilhões. É um patamar “muito acima dos níveis recentes, que foram de apenas R$ 1 bilhão/ano, em média, entre 2015 e 2022, mensurados a preços de 2022”, registra o manifesto.
Devido ao alto endividamento do Rio Grande do Sul, os professores explicam que a capacidade de investimentos do estado acaba sendo prejudicada. “O Rio Grande do Sul apresentou uma relação investimento/PIB igual a 15% na década de 2010, o que o posicionou abaixo da média nacional (17,7%) e na pior posição na região Sul. Os estados de Santa Catarina (19%) e Paraná (20%) atingiram níveis mais altos, especialmente em função da maior capacidade do setor público realizar inversões em capital fixo”, destacam.
Regras orçamentárias e legislação precisam ser flexibilizadas para acelerar a reconstrução
Além da flexibilização de regras orçamentárias, o manifesto ressalta que é preciso criar marcos legais que viabilizem os investimentos de recuperação das áreas atingidas e de adaptação da infraestrutura existente para as próximas ocorrências. Nesse sentido, os docentes defendem que os recursos obtidos com a suspensão do pagamento da dívida do RS sejam redirecionados para reconstrução e para preservação ambiental.
O documento cita, expressamente, a destinação de valores para “infraestrutura, recuperação dos efeitos de eventos extremos e introdução de inovações tecnológicas associadas à mitigação dos efeitos da crise climática, recuperação de biomas e preservação da água”. O objetivo dos recursos deve ser o de ampliar a resiliência da sociedade e da economia frente às mudanças climáticas.
RS precisa de estatísticas que norteiem a condução das políticas públicas
Entre as medidas propostas, o manifesto registra ainda a criação da Fundação de Estudos Estratégicos do Rio Grande do Sul. A ideia é a de conceber uma área técnica, sob a gestão estadual, que possa nortear a tomada de decisões dos agentes públicos a partir de dados sérios e confiáveis.
“Caberia a este órgão, especificamente, elaborar bases de dados – socioeconômicos, de infraestrutura física e social, de oportunidades de investimento, de comércio nacional e internacional, de preço, de produção, de infraestrutura física e social etc. –, realizar estudos que contribuam para a formulação e a avaliação de políticas públicas, e a articulação com outros órgãos de estado e a comunidade científica”, destaca o documento.
O material completo está disponível neste link. Interessados em contribuir com o debate podem fazer contato com o professor André Cunha, pelo andre.cunha@ufrgs.br.