A Polícia Civil realizou, na manhã desta terça-feira (23), quatro prisões e 36 mandatos de busca e apreensão em cinco Estados para apurar supostos crimes na compra de livros pela Secretaria Municipal de Educação (Smed). A ação, denominada Operação Capa Dura, investiga delitos que teriam sido cometidos por gestores públicos e empresários. Nas cinco compras investigadas, a Secretaria obteve cerca de 544 mil livros ao custo de R$ 34 milhões.
Foram presos temporariamente, gestores públicos e pelo menos um empresário. A Polícia Civil não divulgou os nomes, mas a reportagem da GZH apurou que uma das detidas é a ex-secretária municipal da Educação Sônia da Rosa. Outras duas servidoras públicas que atuaram na cúpula da Smed, entre 2022 e 2023, também foram presas: Mabel Luiza Leal Vieira e Michele Bartzen. Mabel foi assessora técnica do gabinete de Sônia, enquanto Michele ocupou a função de coordenadora pedagógica da Smed. Sônia, Mabel e Michele deixaram os cargos em junho de 2023.
A operação também obteve determinação judicial para o afastamento de oito pessoas do exercício das suas funções públicas pelo prazo de 180 dias. Segundo informações da imprensa, um dos afastados é Alexandre Borck, conhecido como Xandão. Ele é presidente do MDB de Porto Alegre, partido do prefeito Sebastião Melo, e ocupa o cargo de secretário municipal Extraordinário de Modernização e Gestão de Projetos.
Pela decisão, assinada pelo juiz Orlando Faccini Neto, da 1ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro, Borck terá de ficar por seis meses sem exercer qualquer função pública.
Mandados de busca e apreensão foram realizados em cinco estados
Foram realizados 36 mandados de busca e apreensão no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Maranhão. Foram recolhidos aparelhos de telefone celular, eletrônicos e documentos. Os agentes também estiveram nas sedes da Smed, da prefeitura e no Centro Administrativo Municipal, no Centro Histórico. A operação ainda apreendeu 12 veículos e realizou o bloqueio de sete imóveis. Além disso, a Justiça determinou que oito pessoas sejam afastadas das suas funções públicas por 180 dias e que 11 empresas e dois empresários fiquem proibidos de firmar contratos com órgãos públicos municipais e estaduais do Rio Grande do Sul.
O inquérito está sendo conduzido pela 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção (1ª DECOR), do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), e apura suspeitas de fraudes licitatórias e associação criminosa. Os mandados foram assinados pelo juiz Orlando Faccini Neto, da 1ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro.
Smed obteve cerca de 544 mil livros ao custo de R$ 34 milhões
A operação analisa cinco compras feitas pela Smed em 2022 junto às empresas Inca Tecnologia de Produtos e Serviços e Sudu Inteligência Educacional, todas elas por adesão à ata de registro de preço, instrumento conhecido como “carona” por acelerar o gasto público. A opção liberou a Smed da tarefa de realizar os trâmites burocráticos de uma licitação própria.
Nas cinco compras investigadas, a Secretaria obteve cerca de 544 mil livros ao custo de R$ 34 milhões. Em junho de 2023, foi revelado que as publicações da Inca e da Sudu estavam encaixotadas e empilhadas em dois depósitos da prefeitura. Em um deles, os materiais estavam acondicionados sob goteiras, mofo e fezes de pombos. Também em escolas havia milhares de exemplares encaixotados e sem uso pelos estudantes. Diretores e professores reclamaram que os materiais foram enviados sem planejamento e em quantidade excessiva. Isso foi reafirmado por auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE), cujo relatório apontou que os livros foram adquiridos em número “exorbitante”.
A diretora da Atempa, Luciane Congo, ressalta que as denúncias têm sido feitas sistematicamente desde que os livros chegaram nas escolas, sem nenhum critério. “Enfatizamos sempre que foi um desperdício do dinheiro público a aquisição de mais livros didáticos, de qualidade duvidosa e com erros grotescos. As escolas já receberam livros através do PNLD. É o dinheiro do cidadão jogado no lixo, em detrimento de tanta coisa que poderia ter melhor uso em nossa educação”, destaca.
Os processos administrativos das cinco compras por carona com a Inca e a Sudu começaram já com os orçamentos dessas empresas e não obedeceram as fases de planejamento do gasto. Uma das etapas é o termo de referência, onde deveria ser apresentada uma demanda do setor público e, depois, discutidas as possíveis soluções e modalidades de licitação. Os termos de referência, contudo, eram baseados nas propostas comerciais da Inca e da Sudu. Servidoras de carreira da Smed, ao prestar depoimento nas duas CPIs que apuraram as suspeitas na Câmara de Vereadores, afirmaram que partiu de uma assessora do gabinete da ex-secretária Sônia da Rosa a determinação para que os termos de referência fossem feitos dessa forma, supostamente direcionados à Inca e à Sudu.
Nas compras por carona, é necessário reunir orçamentos de outros potenciais fornecedores para demonstrar a chamada “vantajosidade”. Na prática, significa comprovar que, ao aderir a uma ata de registro de preço, a prefeitura estaria pagando um valor menor do que o cobrado por outros fornecedores. Esses orçamentos foram apresentados por empresas do mesmo grupo econômico de Jailson Ferreira da Silva e Sergio Bento de Araújo.
A Polícia Civil se manifestou somente por meio de nota. Os delegados não estão concedendo entrevista por uma questão institucional. A Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul (Asdep) suspendeu as coletivas e o detalhamento de operações como forma de pleitear aumento salarial.
A Atempa, que acompanha e denuncia a situação desde o início, seguirá atenta aos desdobramentos das investigações e noticiando cada passo até que todos os envolvidos sejam punidos.
Foto: Lauro Alves/Agência RBS
Fonte: GZH