A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(Art. 205 da Constituição Federal)
As entidades, abaixo-assinadas, vêm se manifestar contrariamente à aprovação das propostas legislativas
ligadas aos denominados Programa e Movimento Escola Sem Partido. Entendemos que estes projetos negam
o direito dos alunos e das alunas do Brasil a uma educação democrática, comprometida com uma sociedade
justa e igualitária. Os referidos movimento e programa insistem na defesa de que a família é a única
responsável pela educação das crianças e dos jovens, e que a escola deveria se restringir a qualifica-los para
o trabalho. Tal concepção entra em contradição direta com o Art. 205 da Constituição Federal, que afirma
que a educação é dever conjunto do Estado e da família, sendo promovida com a colaboração da sociedade.
Entre 2014 e 2015, começaram a ser apresentados na Câmara dos Deputados os primeiros projetos de lei
associados às propostas do Escola Sem Partido (PL 7180/2014, PL 7181/2014, PL 867/2015, PL
1859/2015). Em outubro de 2016 foi criada uma Comissão Especial para analisar o conjunto de projetos de
lei que tratam, direta ou indiretamente, dessa temática. Desde o princípio, era possível ver pela composição
da mesma um claro desequilíbrio entre as perspectivas favoráveis e contrárias aos projetos. De fato, dos
membros originais da comissão, poucos se manifestavam publicamente contra os PL’s. Os demais, quase
todos membros da Frente Parlamentar Evangélica, nunca foram tímidos em suas demonstrações de como a
comissão foi criada por e para apoiadores do Escola Sem Partido, ao se reunirem e juntos fazerem o projeto
avançar na casa. Vale considerar que parte significativa desses integrantes da comissão favoráveis às
propostas eram autores ou coautores das mesmas.
Isso se refletiu claramente nos trabalhos da comissão. Após 2 (dois) anos de existência e mais de 61 mil
reais gastos com eventos e convidados somente em 2017, não é possível dizer que muito tenha mudado.
Apesar do dispêndio em tempo e dinheiro público na discussão dos temas trazidos pelo Escola Sem Partido,
infelizmente, a condução desses trabalhos foi feita a partir de um pressuposto equivocado: a de que a
escolarização deve se guiar somente pela vontade e concepções morais de indivíduos e famílias. Como dito
anteriormente, tal perspectiva contraria o texto constitucional, o que já foi demonstrado por diversos
pareceres jurídicos. Um dos principais exemplos que ilustram esse ponto é o caso da Lei Escola Livre,
análoga do Programa Escola Sem Partido, aprovada em Alagoas. Essa lei foi suspensa por uma medida
cautelar emitida por decisão monocrática do Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal como resposta
às Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5537 e 5580. Da mesma forma, a Procuradoria Geral da
República emitiu um parecer com argumentos que concordavam com o caráter flagrantemente
inconstitucional da legislação, destacando inclusive as ameaças que ela representaria para os pressupostos de
uma educação democrática: “educação democrática permite que o estado defina conteúdos dos cursos de
formação e objetivos do ensino, até de forma independente dos pais.”
Em maio de 2018, o relator responsável pela apreciação dos projetos na Comissão, deputado Flavinho
(PSC/SP) apresentou um parecer (PRL1 PL 718014) favorável que, lamentavelmente, reproduz todas essas
perspectivas equivocadas sobre a educação escolar. Acompanhando o parecer, foi apresentado um
substitutivo (SBT1 PL 718014), que condensa os principais elementos de todos os projetos apensados,
mantendo a lógica impositiva que, no limite, categoriza-se como censura explícita a termos da língua
portuguesa. Destacamos o artigo 5º do substitutivo, que propõe alterar o artigo 3º da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, que passaria a vigorar acrescido do seguinte
inciso XIV e do novo parágrafo único:
“XIV – respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem
familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e
religiosa.
Parágrafo único: A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar,
disciplinas obrigatórias, nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a
ideologia de gênero, o termo “gênero” ou “orientação sexual”.” (NR)
Isso mostra-se absurdo por censurar todo um campo científico que se apoia sobre “gênero” enquanto uma
categoria de análise, além de censurar também debates essenciais para uma percepção mais aprofundada dos
mecanismos de reprodução das desigualdades sociais no contexto escolar e na sua contestação. Pode-se
notar também no trecho citado acima que há a proibição do uso de uma palavra da língua portuguesa, no
caso, “gênero”. Para que se tenha um ideia da incoerência de tal proibição, o projeto inviabilizaria o uso do
termo em áreas que não têm qualquer relação com o sentido atribuído pelo projeto de lei: gênero é um dos
conceitos-chave da taxonomia biológica, elaborado por Carlos Lineu no século XVIII; é empregado em
discussões literárias sobre gêneros textuais, sem falar de seu uso no ensino de gramática e em situações
cotidianas. Não há outro termo para classificar isso além de censura.
Com a apresentação do parecer, a Comissão Especial entrou em uma outra fase. Até o momento ela estava
em período de “instrução”. Nessa nova etapa, a votação dos documentos pode ocorrer a qualquer momento.
O Projeto de Lei 7180/14 está tramitando de forma conclusiva nas comissões (prevista no inciso II do Artigo
24 do Regimento Interno da Câmara), que dispensa a competência do Plenário. Ou seja, caso a votação da
Comissão aprove o substitutivo do relator, ele não irá a plenário, sendo encaminhado diretamente para
apreciação do Senado. Se não houver alterações no Senado, a proposta segue direto para sanção
presidencial.
Considerando as inconstitucionalidades do projeto, que, se aprovado, causará impactos gravíssimos à
educação brasileira, entendemos que o único caminho possível para a proposta é o seu arquivamento. Como
os vícios de origem da comissão inviabilizam que isso ocorra, temos como único caminho alternativo que o
projeto seja levado a plenário e finalmente arquivado. Essa possibilidade existe, estando prevista no Art. 58,
§ 2º, I, da Constituição Federal, desde que seja protocolado um recurso assinado por um décimo dos
deputados. Sendo assim, defendemos (e estamos trabalhando no sentido de) que seja apresentado esse
recurso para levá-la a plenário e, finalmente, arquivar a proposta.
Diante de todo o exposto acima, as entidades subscritas se colocam frontalmente contra a aprovação de
qualquer medida relacionada ao Escola Sem Partido e seus congêneres.
Movimento Educação Democrática
Professores Contra o Escola Sem Partido
[Para subscrever o documento, pedimos que algum membro da diretoria ou coordenação de associações,
instituições, movimentos sociais ou sindicatos envie e-mail para moveducacaodemocratica@gmail.com]