Uma fábula sobre “Ser professor é…”
Marco Mello e Carla Cardarello
Profs. EMEF Saint Hilaire e EMEF Profª. Judith Macedo de Araújo
Era uma vez, em uma terra próxima, uma rainha que vivia isolada em reclusão na torre de seu castelo. Ela desejava reformar o Reino, mas como era mandona e queria impor seu jeito das coisas funcionarem, o povo lhe cobrava o direito de participação e justiça. Em um dia especial, resolveu escrever um texto dirigido a seus súditos, para acalmar a situação. Chamou o ordenança predileto e encarregou-o de fazer publicá-lo em um jornal que lhe tinha em conta. Pensou num bom título e saiu Ser professor é…, onde discorreu sobre a virtude de ser um professor do reino, da necessidade de adaptar-se às mudanças, ser obediente, e sobretudo ver como uma missão e não uma profissão suas atribuições… Contente com sua ideia, mandou organizar um sarau, no terraço do Castelo, com música, comes e bebes…
Até que… a Plebe se insurgiu! De todos os recantos do reino, com suas bandeiras, guarda-chuvas e cartazes, plebeus chegaram vibrantes, depois do árduo trabalho na labuta, com suas comitivas a cobrar o diálogo, o respeito e um Congresso do Povo para decidir o futuro do Reino. Às pressas, a rainha mandou fechar os portões do castelo e chamou os guardas do reino pra reprimir o povo, que pacificamente saiu pela via pública a denunciar: Era uma vez uma rainha mandona…
Até hoje não se sabe onde ela foi se esconder.
Como termina essa história… Ah, depende de nós…
“Aliás, muito mais do que uma profissão, ser professor é uma missão”, afirma a secretária de Educação Janaína Audino em seu texto, veiculado no Jornal Zero Hora, dia 15 de Outubro, no dia da Professora, dia do Professor. “É ter vocação e sabedoria”; é “saber aprender a se adaptar”. Missão, vocação, sabedoria e adaptação; esses são alguns dos atributos que, segundo a responsável pela pasta, devem pautar nosso modo de ser docente. Curioso, não? Nos tempos que correm, onde nos vemos cada vez mais desafiados/as a lutar pela democracia, pela afirmação da Ciência e rejeição do obscurantismo, por uma escola plural, diversa, inclusiva e laica, assim como por qualificação e formação – temas ausentes no rol dos atributos elencados pela Secretária “para ser professor”. Aliás, assim como leitura crítica de mundo, luta pela defesa da democracia e da educação pública.
Se pensarmos que a formação docente é um processo de subjetivação, marcado por discursos de poder-saber-verdade, que exercícios de pensamento podemos fazer a partir das afirmações da secretária? Que movimento é esse que nos coloca em lugares de docilidade e de uma quase submissão e subserviência? Em seu discurso, Janaina Audino apresenta modos de ser docente pouco ou nada combativos, excluindo significativamente qualquer possibilidade de irrupção ou revolta. Para a Secretária, professoras e professores “se adaptam”, se adequam ao que aí está.
O que poderia acontecer se pensássemos a docência a partir das práticas de liberdade? Quais seriam os efeitos se negássemos esse mecanismo de docilização e passássemos a afirmar a docência enquanto um exercício ético potente e instaurativo? Missão, vocação e adequação teriam grande espaço em nossas práticas e existências? As palavras e as coisas que aí estão permaneceriam incólumes, sem análise e disrupção?
Talvez seja esse o temor que envolve o texto “Ser professor é…”, de Janaina Audino. Talvez, quem ocupa um lugar privilegiado nas relações de poder precise nos colocar em uma posição de submissão para manter a ordem que assegura esse privilégio. Porque assim, e somente assim, seria possível dar continuidade a um projeto de políticas públicas que parte de premissas onde o outro que difere e produz diferenças precisa ser silenciado, negado, aniquilado.
Em uma coisa temos que concordar com a Secretária: “ser professor é ter a oportunidade todos os dias de fazer a História ou mudar a História”. E, se nossa escolha for por mudar a História, precisamos dizer NÃO à forma como estamos sendo subjetivados. Precisamos, em nossas práticas de liberdade e com nossas pequenas revoltas diárias, instaurar novos modos de ser docente; modos potentes, coletivos e que não sucumbem quando ações opressoras insistem em fazer da História uma narrativa de e para privilégios. A oportunidade está aí.
Enquanto a rainha mandona se esconde no alto da torre de seu castelo, a Plebe, em movimento, toma a rua pública, as redes sociais, o parlamento, contagia corações e mentes e avança em marcha para restaurar a democracia no reino. Ser professora, ser Professor é insurgir-se contra a tirania, porque sabemos que se ensina, sobretudo, pelo exemplo. E, como temos dito: queremos e precisamos, definitivamente de uma educação que nos ajude a pensar e não a obedecer.